“Nasci no dia três de outubro de 1804, na cidade de Lyon, França, em uma família católica da classe média, tendo sido registrado no Cartório como Denizard Hippolyte Léon Rivail. No dia 15 de junho de 1805, meus pais, Jean Baptiste Antoine Rivail e Jeanne Louise Duhamel, me levaram à Igreja de La Croix Rousse, onde fui batizado, e, ao fazerem o registro do meu nascimento no Livro de Registros da Paróquia, mudaram meu nome para Hippolyte Léon Denizard Rivail.
“Passei meus primeiros anos de vida em Lyon, no conchego do lar, aos cuidados de minha querida genitora, sempre muito carinhosa, e de meu pai, que era homem de leis, de quem recebi sempre belas lições de direito, de justiça e de honestidade, pois ele era bastante íntegro em suas atitudes de cidadão e honrado servidor da Pátria.
“Em 1810, portanto, com seis anos de idade apenas, meus pais me levaram para Yverdun, na Suíça, onde fui internado no célebre Instituto Pestalozzi. É que, em Lyon, eu corria perigo de vida, devido à ação política decorrente das guerras napoleônicas. Já na Suíça, não, e depois havia ali um educandário famoso onde Jean Henri Pestalozzi, impregnado das lições adquiridas no livro “Emile” ou a “Educação”, de autoria de Jean Jacques Rousseau, passou a dedicar-se com entusiasmo à educação das crianças e adolescentes. Meus pais, portanto, estavam certos ao tomarem a decisão que tomaram, internando-me naquele Instituto, para onde eram levados também os filhos das melhores famílias da França e de outros países. E depois, para mim, apesar da saudade do lar paterno, minha permanência ali por muitos anos foi boa, pois aprendi o justo sentido da educação, que deve ser ao mesmo tempo paternal e liberal.
“Foi ali, naquele célebre educandário suíço, que recebi a instrução primária e secundária, e onde fiz o curso normal ou especial, que me preparou para ser professor. Aliás, foi como substituto, no Instituto Pestalozzi, que comecei a minha vida de professor.
“Deixei o Instituto em 1824 e passei a me dedicar ao ensino primário e a escrever e traduzir livros didáticos. Publiquei vários livros, sempre bem aceitos pelos críticos, sendo que muitos foram adotados nas escolas francesas. Um deles, lançado em 1831, foi premiado num concurso promovido pela Real Academia de Arrás. E isto me deu oportunidade de ser admitido como professor do Liceu Politécnico de Paris. Fui também, por pouco tempo, diretor e professor do Instituto Rivail, que eu havia fundado com a ajuda financeira de um parente.
“Foi também em 1831 que vim a conhecer a professora de letras e belas-artes, Amélie Gabrielle Boudet. Uma simpatia mútua logo tomou conta dos nossos corações, levando-me a pedi-la em casamento. De modo que no ano seguinte, precisamente, no dia 9 de fevereiro de 1832, nos unimos pelo matrimônio e passamos a residir na Rua de Sèvres, nº 35. Tivemos uma bela vida conjugal. Ela, como esposa fiel e dedicada, se mostrou sempre uma grande companheira, amiga, sincera, colaboradora, tendo me ajudado muito em minhas atividades de professor, de tradutor e de escritor.
“Além de me dedicar ao magistério, eu exerci também outras atividades, ou seja, fui magnetizador e maçon.
“Foi muito moço ainda que tomei conhecimento da obra de Franz Anton Mesmer, que disse e provou, cientificamente, que todo ser vivo era dotado de um fluido magnético capaz de se transmitir a outros indivíduos, estabelecendo-se influências psicossomáticas recíprocas. Passei a frequentar então a Sociedade de Magnetismo de Paris, vindo a tornar-me um magnetizador. Pude assim realizar muitas experiências.
“Devido à minha admiração pela Maçonaria, vim a conhecer muitos dos seus filiados. Eu próprio fui admitido como neófito, passando depois a companheiro, em uma Loja Maçônica da França. Adotei então todos os princípios nobres e elevados, pregados pelos irmãos maçônicos.
“Foi em 1854 que vim a tomar conhecimento dos fenômenos das mesas girantes e falantes, que aconteciam em casas de pessoas que praticavam o magnetismo mesmeriano. Um deles foi o Sr. Fortier que era também um magnetizador e que, por duas vezes me deu notícias daqueles insólitos fenômenos. Mas, apesar do entusiasmo com que se expressava, não conseguiu convencer-me, como também não me convenceu depois o Sr. Carlotti, com quem me encontrei em princípios de 1855.
Um dia fui à casa da Sra. Roger, sonâmbula, com quem o Sr. Fortier fazia experiências de magnetismo. Lá, fui apresentado ao Sr. Pâtier, que, ao se referir àqueles fenômenos, conseguiu, pela maneira de falar, despertar em mim uma certa curiosidade. Aceitei então o convite que me fez de ir à casa da Sra. Plainemaison, onde pude assistir a algumas experiências que me deixaram plenamente convencido da realidade daqueles fenômenos, que eram causados pela ação invisível de seres que se apresentaram como Espíritos. Tornei-me então assíduo freqüentador das reuniões que se realizavam ali, e, por isso, tive oportunidade de conhecer outras pessoas e receber novos convites. Conheci o Sr. Baudin e suas duas filhas, Caroline e Julie, bem como o Sr. Roustan e a Sra. Japhet, em cuja residência, a Srta. Ruth Celine Japhet se submetia a experiências de sonambulismo.
“Foi numa sessão realizada em casa do Sr. Roustan, em 30 de abril de 1856, que, pela primeira vez, me foi revelada a missão que me cabia desempenhar: Eu seria ‘o obreiro, que reconstrói o que foi demolido’, em outras palavras: um Reformador Social. Quem disse isto foi um Espírito que se identificou com o nome de Zéfiro. E o que ele disse foi confirmado, posteriormente, por outros Espíritos: Hahnemann e o Espírito de Verdade. Este último, inclusive, em sessão realizada no dia 25 de março de 1856, em casa do Sr. Baudin, manifestou-se um dia, dizendo ser meu Espírito Familiar, prometendo-me voltar uma vez por mês pelo menos.
“Dotado, desde pequeno, de uma grande vocação para estudos científicos, passei a levar para as sessões que freqüentava uma série de perguntas, para serem respondidas pelos Espíritos que se manifestassem. E assim, com o passar do tempo, consegui um acervo enorme de dados que eram lidos, examinados e corrigidos pelos Amigos Invisíveis, que me assistiam e se manifestavam através de vários médiuns, ou seja, mais de dez.
“Havia já material suficiente para publicar um livro. E foi o que resolvi fazer, depois de receber a devida autorização do meu Guia e Mentor Espiritual: o Espírito de Verdade. Foi assim que, no dia 18 de abril de 1857, foi lançado ao público “O Livro dos Espíritos”, que assinei como Allan Kardec, pseudônimo que passei a usar, depois que vim a saber pelo Espírito Zéfiro, que, na Gália antiga, eu tinha sido um sacerdote dos Druidas e me identificava com esse nome.
“Em 1858 fundei, com um grupo de amigos, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, da qual fui presidente por muito tempo e lancei o primeiro número da “REVISTA ESPÍRITA” ou “Jornal de Estudos Psicológicos”.
“Em 1859 publiquei “O Que é o Espiritismo”, em que disse tratar-se de uma ciência e uma doutrina filosófica de conseqüências morais. Em 1861 publiquei “O Livro dos Médiuns” ou “Guia dos Médiuns e Evocadores”; em 1864, foi lançado “O Evangelho s/o Espiritismo”; em 1865, “O Céu e o Inferno”; e, em 1868, “A Gênese”, meu último livro.
“Foi em 9 de outubro de 1861 que se realizou o célebre Auto de Fé de Barcelona, Espanha, em que, por ordem do Bispo e da Inquisição, meus livros foram queimados em praça pública, o que gerou muitos protestos e redundou em favor do Espiritismo.
“Iniciei também nesse ano de 1861 minhas viagens de propaganda da Doutrina Espírita, sempre muito homenageado pelos espíritas locais. A primeira que fiz foi a Lyon, onde o Espiritismo estava sendo muito criticado. A segunda foi a Bordéus, onde estive em outubro, para participar da inauguração da Sociedade Bordelense de Estudos Espíritas. Eu pensava encontrar, pessoalmente, aí, o Dr. Jean Baptiste Roustaing, com quem havia trocado algumas cartas amistosas, em que sempre me tratou como “caro amigo e senhor” e “muito honrado chefe espírita”. Mas, para decepção minha, ele não foi me receber na estação ferroviária, nem compareceu à reunião do dia 14 de outubro, seguida de um banquete em minha homenagem.
“Em 1866, recebi do Dr. Roustaing a obra “Os Quatro Evangelhos”, contendo ditados dos Espíritos através da médium, Sra. Emilie Collignon. Mandei por escrito meu parecer favorável, mas com sérias restrições. Encontrei pontos duvidosos. Não podia, pois, ser considerada complementar às minhas. A partir de então nossa amizade esfriou bastante e passamos mesmo a nos tratar como divergentes em assuntos doutrinários.
“Em janeiro de 1867, com a atenção voltada para trás, fiz um exame retrospectivo da minha vida como missionário e pude constatar que o Espirito de Verdade estava coberto de razões quando disse, pela psicografia da Srta. Aline: “- Lembre-se de que a missão dos reformadores é sempre prenhe de escolhos e perigos”. Posso atestar hoje que tudo que ele disse se realizou em todos os pontos. Fui, inclusive, traído por quem parecia ser de confiança.
“Em novembro de 1868, fiz meu último discurso na Sociedade Parisiense de Estudos Espiritas, em que deixei bem claro como devemos encarar o Espiritismo como religião: num sentido filosófico apenas.
“Só me resta agora aguardar o dia da minha passagem de volta para o Além, para, depois de um curto período na erraticidade, regressar ao mundo dos homens, para completar minha missão, conforme me foi anunciado pelo Espírito de Verdade, em 10 de junho de 1860, confirmando o que já me havia dito Zéfiro (Espírito). Anos mais tarde, em fevereiro de 1865, o Dr. Demeure (Espírito) também fez referência à minha volta ao plano físico (O Céu e o Inferno).
“Acredito mesmo que minha volta venha a acontecer no final deste século (XIX) ou no princípio do séc. XX.
“O futuro dirá...
(OBSERVAÇÃO: Allan Kardec não deixou sua autobiografia. Isto que escrevi acima é obra minha, calcada em suas biografias)