(“Da proibição de evocar os mortos”)
“Alguns membros da Igreja apóiam-se na proibição de Moisés para proscrever as comunicações com os Espíritos. Mas, se sua lei deve ser rigorosamente observada neste ponto, deve sê-lo igualmente em todos os outros. Por que seria boa em relação às evocações e má em outras partes? Há que se ser conseqüente: se se reconhece que, para certas coisas, sua lei não mais está em harmonia com os nossos costumes, não há razão para que não aconteça o mesmo atualmente. Aliás, é necessário nos reportarmos aos motivos que o levaram a fazer tal proibição; motivos que então, tinham sua razão de ser, mas que, necessariamente, não mais existem hoje...
“... Há duas partes distintas na lei de Moisés: a lei de Deus, propriamente dita, promulgada no Monte Sinai e a lei civil ou disciplinar, apropriada aos costumes e ao caráter do povo; uma (a lei de Deus) é invariável, a outra se modifica, conforme o tempo, e não pode vir à cabeça de ninguém que possamos ser governados pelos mesmos meios que os Hebreus no deserto, assim como a legislação da Idade Média não poderia aplicar-se à França no séc. XIX...
“...Eis uma lei (Lei dos Dez Mandamentos) que é de todos os tempos e de todos os países, e que, por isso mesmo, tem um caráter divino; mas não trata da proibição de evocar os mortos; donde é forçoso concluir que tal proibição era simples medida disciplinar e de circunstância.
“Mas Jesus não veio modificar a lei mosaica e sua lei não é o código dos cristãos? Não disse ele: ‘- Ouvistes o que foi dito dos Antigos esta ou aquela coisa; mas eu vos digo outra coisa?’. Ora, em parte alguma do Evangelho (de Jesus) se faz menção da proibição de evocar os mortos. É um ponto muito grave para que o Cristo o tivesse omitido em suas instruções, quando tratou de questões de ordem mais secundária. Ou se deve pensar como o sacerdote, a quem tal objeção foi feita: ‘ – Jesus esqueceu-se de falar nisso?’
“Sendo inadmissível o pretexto da proibição de Moisés, apóiam-se eles em que a evocação é uma falta de respeito aos mortos, cujas cinzas não devem ser perturbadas. Quando essa evocação é feita religiosamente e com recolhimento, não se vê nada de desrespeitoso. Mas há uma resposta peremptória a dar a tal objeção: é que os Espíritos vêm de boa vontade, quando chamados, e, mesmo, espontaneamente, sem serem chamados; manifestam sua satisfação comunicando-se com os homens, e às vezes se lamentam do esquecimento em que por vezes são deixados. Se fossem perturbados em sua quietude, ou ficassem descontentes com o nosso chamado, ou o diriam ou não viriam...
“... Como todos os motivos alegados para justificar a proibição de se comunicar com os Espíritos não podem suportar um exame sério, é preciso que haja outro, não confessado. Este motivo bem poderia ser o medo que os Espíritos, muito clarividentes, não viessem esclarecer os homens sobre certos pontos, e lhes dar a conhecer, ao justo, como são as coisas no outro mundo e as verdadeiras condições para ser feliz ou infeliz. Eis por que se diz a uma criança: ‘ – Não vá lá; lá está um lobo mau’, e, aos homens se diz: ‘ – Não chame os Espíritos; é o diabo que vem’. Mas será em vão: se se proíbe aos homens chamar os Espíritos, não impedirão que os Espíritos venham aos homens, tirar a lâmpada debaixo do alqueire”.
(“Revista Espírita”, outubro/1863 e “O Céu e o Inferno”, parte I, cap. XI).
Allan Kardec deixou bem claro que se justificava, ao tempo de Moisés, a proibição de se evocarem os Espíritos, chegando mesmo a dizer: “ – A proibição de Moisés de se evocarem os mortos era assaz justa, porque a evocação não tinha origem nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, sendo, antes de tudo um recurso para adivinhações, tal como nos augúrios e presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição” (“O Céu e o Inferno”, 1ª parte, cap. XI, nº 4).
Todavia, na época moderna, em pleno séc. XIX, em que ele viveu, isto não tinha mais cabimento, tanto assim que no cap. XXV de “O Livro dos Médiuns”, ele deixou bem claro que “Os Espíritos podem comunicar-se espontaneamente, ou acudir ao nosso chamado, isto é, vir por evocação”. (nº 269) E tanto valor dava a esse valioso instrumento de pesquisa da Ciência Espírita que ele próprio considerava sua obra como um “Guia dos Médiuns e dos Evocadores” (“Guide des Médiums et des Évocateurs”, no original) – Grifo nosso.
Na “Revista Espírita” de fevereiro de 186l, Kardec fez questão de transcrever uma longa carta escrita pelo Sr. Canu, que discorreu exaustivamente sobre a “evocação dos Espíritos” nos mesmos moldes preconizados pelo Codificador (Edicel, págs. 54 a 57). Na “Revista Espírita” de abril de 1861, Allan Kardec, respondendo a uma carta que lhe foi dirigida pelo Sr. Jourdan, aborda também o tema “evocação dos Espíritos” (Edicel, pág. 115), deixando bem claro que “sua finalidade não é outra senão nos dirigirmos a quem quisermos, ao invés de escutarmos qualquer um que se apresente”. (Grifo nosso)
Disse Allan Kardec ...
Allan Kardec em “O Livro dos Médiuns: “Considero errados aqueles que acham que não devemos evocar os Espíritos e sim somente esperar que eles se apresentem espontaneamente” (nº 269) – “Quando se quer comunicar com um determinado Espírito é absolutamente necessário evocá-lo” (nº 270) – “O evocador deve dirigir-se ao Espirito franca e abertamente, sem subterfúgios e rodeios inúteis” (nº 173) – “Podemos evocar todos os Espíritos, seja qual for a escala a que pertençam” (174) – “Não há inconveniente nenhum em se evocar Espíritos maus, quando se faz a evocação com um fim sério, instrutivo e tendo em vista melhorar-se” (278) – “O Espírito superior atende sempre que o chamam para uma finalidade útil. Só se recusa a responder em reuniões realizadas com pessoas pouco sérias e que tratam da evocação dos Espíritos como um divertimento” (282, item 8).
Estamos insistindo neste tema, porque hoje, mais do que nunca, há várias questões polêmicas a dividirem o movimento espírita . Também, - e principalmente - porque consideramos a evocação dos Espíritos o melhor instrumento de pesquisa da Ciência Espírita.
E depois, temos que reconhecer que Kardec escreveu e publicou “O Livro dos Médiuns”, - que considerava um “Guia dos evocadores” -, não somente para uso dos seus contemporâneos, mas também e, principalmente, para as futuras gerações. E ele foi muito incisivo quando afirmou: “- O que eu faço outros podem fazer também”. (Grifos nossos).
Os que acham que não devemos evocar os Espíritos se apegam a um pequeno trecho de “O Livro dos Médiuns” em que Kardec disse: “As evocações oferecem, freqüentemente, mais dificuldades aos médiuns do que os ditados espontâneos, sobretudo quando se deseja obter respostas precisas a perguntas circunstanciadas. Para isso são necessários médiuns especiais, ao mesmo tempo flexíveis e positivos, que são muito raros.” (nº 272). Sim, são “muito raros”, pode ser, mas existem. A questão está em testar suas faculdades mediúnicas, apelando, ao mesmo tempo, para o concurso dos Guias Espirituais das casas espíritas de que são protetores.
A revista “Reformador” da Federação Espírita Brasileira, em sua edição de abril de 2004 (pág. 151/33), transcreveu na íntegra o artigo sobre a “proibição de evocar os mortos” de Allan Kardec, sem qualquer comentário. A meu ver, poderia ter aproveitado a oportunidade para lembrar aos seus leitores que o Mestre lionês era favorável à evocação, por considerá-la o melhor instrumento de pesquisa da Ciência Espírita. Mas não o fez! Por que? Porque o padre jesuíta Manoel da Nóbrega, que retornou à antiga Colônia lusa com o pseudônimo de Emmanuel, no livro “O Consolador”, psicografado por Chico Xavier, disse: “ – Não somos dos que aconselham a evocação direta e pessoal, em caso algum...” (“O Consolador” – 11ª edição da FEB – 1985 – pág. 207) (Grifo nosso). E o próprio Chico Xavier chegou mesmo a declarar que era contrário, porque “o telefone só toca de lá para cá...” , o que consideramos uma tolice muito grande.
Mas não importa o que nós pensamos. O que importa é que ambos - Emmanuel e Chico - se posicionaram completamente contra o pensamento do Mestre de Lyon. No entanto, - vejam só o absurdo! - foi o próprio Emmanuel quem disse certa vez ao Chico, conforme ele próprio confessou publicamente.