(Sobre “Os Quatro Evangelhos” de J. B.Roustaing)
“Esta obra compreende a explicação e a interpretação dos Evangelhos (de Jesus), artigo por artigo. (...) As partes correspondentes às que tratamos no Evangelho segundo o Espiritismo o são em sentido análogo (...) como nos limitamos às máximas morais que, com raras exceções, são claras, estas (máximas) não poderiam ser interpretadas de diversas maneiras; assim, jamais foram assunto para controvérsias religiosas. Por esta razão é que por aí começamos, a fim de ser aceito sem contestação...
“O autor (Roustaing) desta nova obra (“Os Quatro Evangelhos”), julgou dever seguir um outro caminho. Em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto. Assim tratou certas questões que não tínhamos julgado oportuno abordar ainda, e das quais, por conseqüência, lhe deixamos a responsabilidade, como aos Espíritos que as comentaram (...) Convém, pois, considerar as explicações apresentadas como opiniões pessoais (dele, Roustaing e dos Espíritos que as formularam...)
“... por exemplo, Roustaing dá ao Cristo, em vez de um corpo carnal, um corpo fluídico concretizado, com todas as aparências da materialidade, e, de fato, um agênere (grifo nosso). Aos olhos dos homens (...) Jesus deve ter passado em aparência, expressão incessantemente repetida no curso de toda a obra, para todas as vicissitudes da humanidade. Assim seria explicado o mistério de seu nascimento (...)
“Sem nos pronunciarmos pró ou contra essa teoria, diremos que ela é, pelo menos, hipotética (...) Sem prejulgar a obra de Roustaing, diremos que já foram feitas objeções sérias a essa teoria (do corpo fluídico de Jesus); em nossa opinião os fatos podem perfeitamente ser explicados sem sair das condições da humanidade corporal...”.(Grifo nosso)
(Revista Espírita, junho de 1866, tradução de Júlio
Abreu Filho – EDICEL – PÁGS. 188 A 190)).
NOSSO COMENTÁRIO
Temos, hoje, certeza absoluta de que Allan Kardec, ao receber, de supetão, os três volumes (eram então somente três volumes e não quatro) da obra “Os Quatro Evangelhos” de J. B. Roustaing, foi, ao mesmo tempo, tomado de surpresa, decepção e constrangimento. Sim, surpresa, porque nunca pensou que um confrade seu que, em março de 1861, em carta amistosa, o tratara como “mestre” e “honrado chefe espírita”, fosse capaz de realizar, à sua revelia, um trabalho como esse, em que apareciam tantas coisas duvidosas e hipotéticas sobre as quais já tinham sido feitas sérias objeções. Decepção, porque, de imediato, Kardec percebeu logo que, em Roustaing, não havia honestidade nenhuma e sim, total falsidade. Constrangimento, porque Allan Kardec não se sentia bem à vontade para, de público, num comentário crítico transcrito em sua Revista Espírita, deixar Roustaing, ilustre e conceituado advogado da Corte Imperial de Bordéus, em má situação, perante seus clientes, e, sobretudo, perante a comunidade espírita de sua cidade natal.
Preferiu então ficar no meio termo, adotando, de um lado, a postura de verdadeiro e hábil diplomata, destacando os pontos positivos que encontrara, mas, por outro lado, como conhecedor do assunto e excelente crítico doutrinário que era, mostrando também os pontos negativos, hipotéticos, controvertidos e, sobretudo, polêmicos.
Daí ter declarado: “... até nova ordem não daremos às suas teorias (de Roustaing e dos Espíritos reveladores), nem aprovação, nem desaprovação, deixando ao tempo o trabalho de as sancionar ou contraditar...” E fez questão de dizer que, “ao lado de coisas duvidosas” a obra de Roustaing “encerrava outras, incontestavelmente boas e verdadeiras. (...) Convém, pois, considerar essas explicações como opiniões pessoais, que podem ser justas ou falsas, e que, em todo caso, necessitam do controle universal (...) da concordância universal, corroborada por uma rigorosa lógica...”