Tomando por base o que disse Kardec em "Obras Póstumas", um confrade do Distrito Federal pergunta: "Por que então alguns grupos têm debatido com tanta tenacidade a obra de Roustaing ?! Que traz essa obra de tão especial que merece livros inteiros, criticando-a ou exaltando-a ?!". E, para deixar bem claro, que não compreende por que se combate tanto "Os Quatro Evangelhos", ele cita o próprio Kardec, que, ao terminar de a ler, fez um comentário elogioso publicado na Revista Espírita de junho de 1866. Conclui seu parecer, dizendo: "Além do reparo com relação ao corpo de Jesus, Kardec disse que os textos poderiam ser mais reduzidos, sem perda de conteúdo. Em outras palavras, defendia o que sempre teve em mente em todos os seus escritos: clareza e objetividade". E acrescenta: "Foram estes os dois reparos que Kardec fez com relação à obra de Roustaing"
NOSSA OPINIÃO
Em primeiro lugar, não se sabe quando Kardec deu sua "ligeira resposta aos detratores do Espiritismo", que aparece em "Obras Póstumas". Se foi antes de 1866, o livro que leva o nome de Roustaing ainda estava em fase de gestação. Logicamente, ele não poderia falar sobre o que ainda não tinha lido. Não cabe, portanto, aos roustainguistas a pecha de "detratores" usada pelo Codificador. Se foi depois de 1866, quando o livro foi publicado à revelia de Kardec, com mais razão ainda ele não lhes aplicaria essa pecha, porque, após sua leitura, o próprio Mestre lionês teceu elogios a ela, dizendo: "É um trabalho considerável. Tem o mérito de não estar, em nenhum ponto, em contradição com a doutrina contida em "O Livro dos Espíritos" e em "O Livro dos Médiuns (...) Em relação ao corpo fluídico de Jesus, nada há de materialmente impossível, dadas as propriedades do envoltório perispiritual. A obra encerra, incontestavelmente, coisas boas e verdadeiras. Por isso mesmo será consultada com fruto (proveito) pelos espíritas sérios".
Todavia, ao contrário do que afirmou esse nosso confrade, não foram somente dois reparos que Kardec fez, porque, na verdade, o que ele disse foi o seguinte:
"Em O Evangelho s/o Espiritismo, nós nos limitamos às máximas morais, que, com raras exceções, são claras, por isso mesmo jamais deram motivo para controvérsias religiosas. Por essa razão é que por aí começamos, a fim de ser aceito sem contestação, esperando quanto ao resto que a opinião geral estivesse mais familiarizada com a idéia espírita. Todavia, o autor de Os Quatro Evangelhos julgou dever seguir um outro caminho. Em vez de proceder por gradação, quis atingir o fim de um salto".
Kardec , naturalmente, quis dizer que Roustaing foi precipitado, afoito, irresponsável, leviano, mas por uma questão de educação, de respeito, não disse. Mas há em suas palavras uma crítica, sim, claro que há.
Prossegue Kardec em seu parecer: "O autor de Os Quatro Evangelhos tratou de certas questões que não tínhamos julgado ainda oportuno abordar, e das quais, por conseqüência, lhe deixamos a responsabilidade, dele e dos Espíritos que as comentaram".
Roustaing portou-se, portanto, como um aluno vaidoso, presunçoso. Quis se mostrar superior ao Mestre em cujos livros aprendera a Ciência Espírita e ao "honrado chefe espírita", como tratara o Codificador na correspondência que lhe dirigira em junho de 1861.
Em vista disto, acrescenta Kardec: "A obra apresenta, pois, opiniões pessoais, que necessitam da sanção do controle universal. Sim, precisa de mais ampla confirmação. Não pode, pois, ser considerada como parte integrante da Doutrina Espírita".
Atentem bem os leitores para esta frase final: "Não pode ser considerada como parte integrante da Doutrina".
Diz mais Kardec: "É uma obra repetitiva, quando se refere à aparência em relação a Jesus e ao seu corpo". E diz ainda: "Os fatos apresentados podem ser perfeitamente explicados, sem que se precise sair das condições humanas".
E prossegue o grande missionário: "A obra apresenta coisas duvidosas" e mais: "Certas partes são desenvolvidas muito extensamente, sem proveito para a clareza. Poderia ter sido reduzida a dois ou mesmo a um volume, e teria ganho em popularidade".
Não foram, portanto, somente dois reparos que o Codificador fez à obra de J. B. Roustaing, como afirmou esse confrade do Distrito Federal. A partir de 1866, Allan Kardec passou a refletir mais sobre o assunto, e, sobretudo, continuou consultando seus Amigos Invisíveis.
E o que foi que resultou desse seu exame crítico? Resultou a publicação de sua última obra "A Gênese", lançada em 1868.
Vejam os que têm olhos de ver!