O CÓDIGO PENAL E O ESPIRITISMO
“As primeiras notícias da formação de grupos espíritas no Brasil são da década de 1860, quando, por iniciativa do Dr. Joaquim Carlos Travassos, foram feitas as primeiras traduções das obras de Allan Kardec”. Concomitantemente, surgiram também as primeiras traduções de “Os Quatro Evangelhos” de J. B. Roustaing. E o Espiritismo, graças à ação dos que ficaram conhecidos como “os pioneiros”, logo tomou conta dos representantes da classe média, - industriais, comerciantes, professores, médicos, advogados, engenheiros, oficiais do Exército e da Polícia Federal, parlamentares e administradores públicos.
Todavia a difusão do Espiritismo também se fazia em meios mais populares, interagindo com saberes, práticas e religiosidades ancestrais dos descendentes de escravos, os chamados cultos afro-brasileiros, praticados nos templos e terreiros de Umbanda. Era o chamado baixo Espiritismo.
Com a Proclamação da República, em 1889, a Religião Católica Apostólica Romana deixou de ser a Religião Oficial do Estado. Por sua vez o Espiritismo, confundido com os rituais praticados nas antigas senzalas e ao mesmo tempo, mostrando seu alto poder curativo através dos médiuns curadores e receitistas, passou a ser mal visto pelos políticos conservadores e pelos representantes da “moderna medicina acadêmica”.
Daí a promulgação do Código Penal de 1890, cujo artigo 157 dizia o seguinte: “É considerado delito (crime) praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade pública”.
Começou então uma perseguição terrível contra os que praticavam a “mediunidade receitista” tanto nos centros espíritas como nos terreiros umbandistas.
Com o passar dos anos a mentalidade foi se modificando devido a vários fatores. De modo que, com a aprovação pelo Congresso Nacional do novo Código Penal brasileiro, sancionado pelo Presidente Getúlio Vargas em 1949, o termo “espiritismo” foi excluído, permanecendo apenas, como delito grave, a prática do “curandeirismo” e do “charlatanismo”.
NOSSO COMENTÁRIO
Temos que reconhecer que muito proveitosa nesse sentido, foi a atuação dos chamados “pioneiros do Espiritismo” no Brasil, bem como o trabalho do grande tribuno que foi Vianna de Carvalho e a atuação brilhante de confrades ilustres como Eurípedes Barsanulfo e Cairbar Schutel e outros.
Entretanto o novo Código Penal, suprimindo o termo “espiritismo” de um dos seus artigos, veio contribuir bastante para valorizar a atitude do Sr. Wantuil de Freitas, Presidente da FEB e do Conselho Federativo Nacional, criado com o “Pacto Áureo” de 1949, que defendiam a idéia de que “fenômeno mediúnico, com ou sem doutrina, é Espiritismo” ou seja, “toda prática mediúnica é espírita”, seja nos centros espíritas ditos kardecistas, seja nos terreiros e tendas de Umbanda. Logo, para a FEB, como para os membros do seu Conselho Federativo Nacional, “a Umbanda é Espiritismo, mas não é Doutrina Espírita”, o que irritou, profundamente, o ilustre escritor, jornalista e conferencista espírita, Prof. J. Herculano Pires. Em artigo publicado no jornal Diário de São Paulo. Disse ele: “ – A Doutrina Espírita é clara e precisa em todos os seus pontos. Por acaso não foi ela ditada pelo Espírito de Verdade e organizada na Codificação pelo bom-senso inigualável de Allan Kardec?”.
A propósito, o saudoso confrade, escritor Gélio Lacerda da Silva, em seu excelente livro “CONSCIENTIZAÇÃO ESPÍRITA”, lançado em 1995 pela Editora EME, de Capivari/SP, escreveu o seguinte: “Muitos confrades por certo desconhecem por que a Umbanda se apresenta também rotulada de Espiritismo. Essa confusão nasceu de uma decisão do Conselho Federativo da Federação Espírita Brasileira, tomada em uma reunião realizada em outubro de 1926 , cuja “Resenha” foi publicada no Suplemento da revista “Reformador” do dia 16 de outubro...”
Na conclusão do “Parecer”, aprovado pelo Conselho está escrito: “A Federação, em tese, não infirma (não invalida) as manifestações de “caboclos” nem de “pretos”, conquanto não os adote como norma mais eficiente de trabalho, (...) achando que, do mesmo modo devem proceder as sociedades adesas, uma vez que (...) tais práticas são, não há que negar, Espiritismo, porém não Doutrina Espírita...”
Informa-nos ainda Gélio que, em 1953 o Conselho Federativo Nacional da FEB (...) aprovou um “Manifesto”, com sólidos argumentos, comprovando que Umbanda não é Espiritismo (...) mas a Diretoria da FEB, na gestão de Wantuil de Freitas, se colocou contra o posicionamento do seu CFN, o que foi publicado no Reformador de julho de 1953” (Fonte: “Conscientização Espirita”, págs. 161 a 163). Entretanto, anos mais tarde, na gestão de Francisco Thiesen, a FEB voltou atrás...” Realmente, pela “Declaração Oficial”, publicada no Reformador de fevereiro de 1978, por decisão tanto dos membros do Conselho Federativo Nacional como dos membros da Diretoria da FEB ficou bem claro que a Umbanda não é Espiritismo. Por isso mesmo os umbandistas não podem ser considerados espíritas.
Apesar disso, graças à FEB, ouve-se ainda nos noticiários das rádios e televisões de todo o país, os locutores se referirem aos terreiros de Umbanda como centros espíritas. Da mesmo forma é o que se lê também nos órgãos da imprensa (jornais e revistas).